sábado, 26 de maio de 2012

"Nem todo político é punido porque é ladrão”


"Nem todo político é punido porque é ladrão”

Especialista em direito eleitoral, o advogado Ademir Ismerim é considerado um dos profissionais mais conceituados sobre o assunto na Bahia. Nesta entrevista ao Teia de Notícias, ele explica em que casos a Lei da Ficha Limpa deve ser aplicada. Afirma que, apesar de recém-criada, a norma é muito dura quando se trata de elegibilidade. Para ele, a lei carrega alguns excessos. "Nem todo político é punido porque roubou”, diz. Mas também vê falhas em sua metodologia. "A lei tutela o eleitor e canaliza o seu voto para aqueles candidatos que ela acha que podem ser eleitos”. Na conversa, o especialista também fala sobre as contas do prefeito João Henrique (PP), afirma que o PSD quer dar um “golpe” ao reivindicar tempo de TV e recursos do fundo partidário e considera absurdas as multas aplicadas ao radialista e pré-candidato a prefeito Mário Kertész (PMDB). “São coisas inerentes à profissão dele”. 

Por Alexandre Santos

Como se aplica a Lei da Ficha Limpa?
A Lei da Ficha Limpa é de 4 de junho de 2010. No nosso entendimento, ela só será aplicada àqueles que forem condenados a partir daí. Antes da Lei da Ficha Limpa a inelegibilidade era prevista na Lei 64.90. E são vários casos. Por exemplo: um prefeito que fosse cassado pela Justiça Eleitoral tinha uma penalidade de três anos, ficava inelegível por três. Se ele disputasse a eleição de 2008, seria cassado. Mesmo com a eleição de 2012 na porta, por exemplo, ele tinha que cumprir os três anos. Então, um ano antes da eleição de 2012, ele já estava elegível novamente. Com a Lei da Ficha Limpa, esse dispositivo aumentou para oito anos. Com isso, um prefeito fica inelegível por dois mandatos. Se ele se elegeu em 2012, e for cassado, ficará inelegível até 2020. Isso em termos de cassação. 
E em relação a gestores que tiverem contas rejeitadas? 
Nós temos três tipos de contas rejeitadas. Temos Tribunal de Contas da União TCU, Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). O que acontece? Se um gestor recebe da União um recurso público para construir uma ponte, ele tem que prestar contas ao TCU. E, se tiver as contas rejeitadas pelo tribunal, ele já está inelegível também por oito anos. Se o gestor recebe do Estado um recurso para construir essa mesma ponte, ele presta conta ao TCE. Se forem rejeitadas, ele também ficará inelegível por oito anos. Em relação a recursos do município, o TCM não deixa o gestor inelegível. Por quê? Porque, depois do TCM, as contas vão para as câmaras. Aí é que, ao julgá-las, o gestor se torna inelegível ou não. Advertindo o seguinte: os pareceres dos tribunais de contas dos municípios só podem ser reformados pelas câmaras por dois terços de votos. Se o parecer for favorável, tem que ser por dois terços. Se for o contrário, também tem que haver dois terços.

 É o caso do prefeito de Salvador...
Sim! João Henrique teve um parecer desfavorável do TCM. Agora terá de se submeter à Câmara e terá que ter dois terços de votos para ter as contas aprovadas. Mas, nesse momento, ele não está inelegível.  

O gestor que teve problemas com contas de campanha na eleição passada poderá disputar o pleito deste ano?
O TSE, na semana passada, decidiu que quem tem conta rejeitada na última eleição, em 2010, não poderá concorrer. Mas não falou de 2008. Aí cada caso terá de ser analisado, o que é um absurdo. Eu diria a você que 99% dos candidatos nessa eleição municipal não têm problema nenhum em 2010, já que não foram candidatos em 2010. Provavelmente não haverá problema. Além do mais, como foi uma decisão por quatro votos a três, pode haver modificações lá na frente. Até porque a decisão é inconstitucional. Ela fere o Artigo 105 da Lei 9.504, que autoriza ao TSE baixar a instrução como fez. Não se pode modificar a nem criar lei. E estão modificando. Não se pode restringir direito. O que é isso? O tribunal está criando uma norma que restringe o direito que a lei não restringe. Isso ainda vai dar muita discussão.

Pelo que se vê, então, a Lei da Ficha Limpa não tem sido tão eficiente...
Do ponto de vista eleitoral, hoje a Lei da Ficha Limpa tem sido ágil até demais. E acho que há alguns excessos. É muito complicado você imaginar uma eleição, por exemplo, num município onde o eleitor não se dirija ao candidato para pedir alguma coisa... Pois tem casos em que o eleitor vai pedir uma coisa e ele próprio denuncia que recebeu. Ele é testemunha. Tivemos um caso, alguns anos atrás, em que uma médica, candidata, estava na casa do vice-prefeito comendo uma feijoada. Lá chegou uma senhora, com a filha doente. A candidata, médica, prescreveu um remédio. Só que ela fez a receita no papel timbrado da coligação dela. Aí a mulher pegou esse papel e entregou para o ex-marido, amante ou algo que o valha, que era pai da menina... O cara, que era do outro lado, entregou o tal papel para a coligação adversária. Ela foi cassada por isso. Quer dizer, uma coisa assim meio absurda. A leitura que eu faço sobre a Lei da Ficha Limpa é assim: o Congresso e a Justiça Eleitoral decidiram que o eleitor não sabe votar. Porque eles acham assim: se formos colocar candidatos bandidos, corruptos etc.,  vocês irão votar nele. Então, como vocês não sabem votar, vamos dizer em quem vocês irão votar. Aí tiram os outros. A lei está tutelando o eleitor e canalizando o voto dele para aqueles que eles acham que são candidatos que podem ser eleitos. Não pode ser assim. Toda câmara legislativa, Congresso etc. é o retrato da sociedade. Nós não temos na sociedade só pessoas boas. Temos pessoas ruins. O Congresso é a tradução do seu povo. Só que a Justiça Eleitoral diz o seguinte: ora, não posso conviver com esse tipo de gente aqui. Só quero aqui gente boa. E vai tirando todo mundo da parada. 

O senhor diz que a Lei da Ficha Limpa tem sido muito eficiente. Mas vários políticos acusados de corrupção continuam aí... 
O problema é que geralmente se pune os menores. Além disso, a lei demora de ser aplicada. A Lei da Ficha Limpa fala de oito anos de inelegibilidade a partir de dezembro. E quando ela vai se aplicada? Provavelmente na outra eleição. Deputados, por exemplo, quase não têm problemas, porque eles não são gestores públicos. A aplicação plena da pena só ocorrerá em 2016. Mas lei é assim mesmo. Lei é devagar. Mas o procedimento de improbidade administrativa é muito duro. A pena mínima são três anos e a máxima, dez.  Se um ex-gestor for condenado num processo de improbidade, ele ficará inelegível enquanto durar a pena dele. Se ele for condenado por dez anos, ficará inelegível por dez anos e mais oito anos, ou seja 18 anos. No Brasil, é quase uma prisão perpétua. Era necessário que houvesse alguns freios. Nem todo mundo é condenado pelo fato da ideia de que todo político é ladrão. Nem todas as contas rejeitadas são rejeitadas pelo uso indevido de recursos públicos. Muitas vezes são por formalidades. O cara tem que aplicar 25% na educação. O que acontece? Ele não aplica, mas gastou o dinheiro pagando funcionário, porque construiu alguma coisa. Ele não roubou. 

Há muitas brechas na lei?
A Lei da Ficha Limpa traz uma palavra nova. Fica inelegível por rejeição de contas quando comprovado o dolo. Então já vai ter discussão porque enquanto indivíduo provar que não houve dolo ele já tem chances de ser candidato mesmo com as contas rejeitadas. Há uma série de dificuldades e de alternativas que cada advogado terá de trabalhar.  

A Justiça Eleitoral condenou o radialista e pré-candidato a prefeito Mário Kertész (PMDB) a pagar R$ 6,6 mil por promoção de imagem, por causa de outdoors espalhados na cidade. Nesse caso,  houve propaganda eleitoral antecipada?
Acho absurdas as multas aplicadas em Mário Kertész. A lei fala que você não pode fazer propaganda eleitoral antecipada. Mas em nenhum momento aqueles outdoors continham pedido de votos ou qualquer menção à eleição. São coisas inerentes à profissão dele, que é radialista, na condição de entrevistador. Acho que houve um exagero na aplicação. 
Mas ele não pode ter se aproveitado disso e feito uma propaganda eleitoral “velada”? 
Mas a lei não vai por estratégia. No dia em que se admitir que a lei vai por estratégia, pelos costumes, você acaba com a lei. Porque o primeiro passo é você respeitar a lei. A Constituição Federal fala que você só será considerado culpado com o trânsito em julgado. O indivíduo é processado em primeira instância, o juiz condena. Vai para o Tribunal de Justiça, o tribunal mantém a decisão. Depois vai aos tribunais superiores, normalmente ao STJ. O que acontece? Só depois que o STJ se pronunciar ele é considerado culpado. Na Lei Eleitoral, não. Bastou na segunda instância, que é um colegiado, e já está condenado. A Lei Eleitoral, em função dos costumes, se sobrepõe à Constituição...  Aí você está desrespeitando a Constituição. A lei pode ser ruim, como dizia os alemães, mas enquanto ela existir vamos aplicá-la.

E quanto às inserções em que ele critica a atual administração? O PT entrou com uma representação argumentando que houve desvio de finalidade da propaganda partidária... 
Essas inserções são reguladas pela Lei 9000.93. As propagandas têm que ser do partido. Mário Kertész pode falar, já que ele é filiado ao partido, não tem problema nenhum. O que ele não pode é fazer pedido de votos. Pode falar e pode fazer críticas à cidade à administração. A lei admite isso.

O recém-criado PSD tem recorrido ao TSE para reivindicar recursos do fundo partidário e tempo de TV. Pela lei, a legenda tem ou não direito a isso?
 
O PSD não tem o que chorar. O partido foi criado sabendo o que ele era. Ele agora na verdade ta querendo dar um golpe. A lei está muito clara. Não tem direito a tempo e nem a fundo partidário. Já sabia da regra do jogo. Foi uma alternativa para o Gilberto Kassab e terminou sendo uma alternativa para um bocado de gente, que mudou de partido. O PSD não terá direito a tempo, porque a lei fala que a divisão do tempo levará em consideração a data da posse. Como na data da posse no Congresso Nacional o PSD não tinha nenhum deputado, ele não terá tempo proporcional. Ele terá tempo da seguinte forma: os outros dez minutos restantes são divididos igualitariamente entre os partidos da base. Não agregará tempo proporcional por falta de representação.

A namorada do prefeito João Henrique acaba de assumir o posto de subsecretária da Saúde, cargo de 1º escalão. Teríamos aí um caso de nepotismo?
O STF, numa decisão sobre nepotismo, decidiu que qualquer parente de até 3º grau não poderia ocupar cargo público. Só que, depois, Roberto Requião, quando era governador do Paraná, nomeou o irmão secretário. E isso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O STF, nesse caso, excepcionalizou a questão. Decidiu que o irmão de Requião poderia ser secretário. Então, no caso de gestores públicos, a exceção é ocupar secretaria. Não há problema nenhum com Tatiana Paraíso.

E se a sra. Tatiana Paraíso quisesse disputar a eleição deste ano?
Me parece que o prefeito ainda é casado com a deputada Maria Luiza. Legalmente ele é casado. Dona Tatiana é uma namorada, ok. Mas, mesmo se disputasse uma eleição agora, eu acho que ela ficaria inelegível, porque agora ela tem um vínculo de afetividade. E a lei considera inelegíveis parentes de até 2º grau. No caso de eleição, não pode concorrer.
J

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